Engana-se quem acredita que as testemunhas estão a serviço de uma ou de outra parte no processo. As testemunhas pertencem ao juízo e servem unicamente para o convencimento do julgador, que tem ampla liberdade na direção do processo, podendo determinar diligências necessárias ao esclarecimento dos fatos. Em contrapartida, o juiz não pode dispensar uma testemunha importante para esclarecer ponto controvertido, sob pena de nulidade, pois a Constituição Federal garante às partes o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório.
Foi exatamente o que ocorreu na demanda trabalhista proposta por um ex-empregado da empresa CRK Comércio de Combustíveis Ltda. A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, acompanhando voto do ministro Guilherme Caputo Bastos, declarou nula a sentença porque a julgadora indeferiu a oitiva da terceira testemunha da empresa e, ainda assim, condenou-a com base em meras presunções.
A ação teve início com a despedida imotivada de um frentista do posto CRK. Ele contou que estava com problemas de saúde e, por isso, saiu de férias. Ao retornar, foi avisado de que não precisavam mais de seus serviços “porque havia pouco movimento, e a parte financeira da empresa estava ruim”. Disse que não foi demitido formalmente, nem foram pagas as verbas rescisórias: apenas não recebeu mais salários, o que justificaria o pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho.
A empresa, por sua vez, alegou que o empregado nunca foi dispensado. Disse que ele trabalhou normalmente até o mês de março e, em abril, procurou os sócios da empresa e informou que ia rescindir o contrato de trabalho porque estava doente e com diversos problemas pessoais. Para a empresa, foi o empregado quem pediu demissão.
Na audiência de instrução e julgamento realizada na 2ª Vara do Trabalho de Taquara/RS, as partes apresentaram suas testemunhas, a fim de esclarecer o ponto controverso: a forma de dispensa do empregado. Após ouvir duas testemunhas da empresa, que “nada sabiam” a respeito do tema em discussão, segundo avaliação da juíza, a oitiva da terceira testemunha foi indeferida e o julgamento, quanto a este tema, foi favorável ao trabalhador.
A empresa recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS). Alegou que o indeferimento da terceira testemunha representou ofensa ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal, tendo em vista que o pedido de demissão era um dos objetos principais da prova que pretendia produzir, não podendo ser reconhecida a dispensa sem justa causa porque “as testemunhas nada sabem a respeito”.
A relatora do acórdão no Regional ficou vencida. A Turma, por maioria, entendeu não haver cerceamento de defesa no procedimento do julgador. Os magistrados entenderam que “ainda que outra testemunha prestasse depoimento, o conjunto probatório não lhe favoreceria. Primeiro, porque ela não seria preponderante em relação às outras duas testemunhas, que desconhecem a forma de extinção do contrato de trabalho. Depois, porque a ausência de prova documental e a presunção relativa à continuidade do vínculo de emprego corroboram em sentido contrário a tese da defesa”. A sentença foi mantida, e a empresa recorreu ao TST.
Na análise do recurso de revista, o ministro Caputo Bastos entendeu que houve, sim, cerceamento de defesa. Segundo ele, o juízo não poderia indeferir a produção de provas e, ainda assim, condenar a empresa com base em presunções “relativas”, que poderiam ser desconstituídas pela parte interessada, caso lhe fosse assegurado o direito à ampla defesa.
O ministro destacou, ainda, que a análise da prova oral produzida se dá por critérios qualitativos, e não quantitativos. “O fato de duas testemunhas da empresa não servirem para o deslinde da controvérsia não indica que a terceira também não servirá”, concluiu. A sentença foi considerada nula, e os autos devem retornar à vara de origem para que seja colhida a prova, para novo julgamento.
Legislação:
Artigo 765 da CLT: Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.
Art. 130 do CPC: Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.
Art. 131 do CPC: O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.
(Cláudia Valente)
Fonte: Notícias do TST.
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